(5x17) ALL SOULS
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Date: 02 de Novembro de 1998

Bom, galera. Essas sao as minhas modestas impressoes sobre um episodio q eu considero um dos melhores de X-Files de todos os tempos. So queria aproveitar para agradecer a algumas pessoas: a Ste, por ter me dado forca pra escrever e acreditado em mim quando nem eu mesma acreditava; a minha "filhinha" Emily, que passou horas ao telefone discutindo o episodio e ajudando a consolidar as ideias para esse review; pra minha sister Melissa, outra grande fa de All Souls, e pro Rainzim, que alem de me dar forca pra terminar esse texto (vivia perguntando qdo ia ficar pronto! :D), teve a gentileza de disponibilizar o espaco na Web pra vcs lerem... :)))
De resto, feedback eh bom e eu gosto, pra djpaty@radnet.com.br So nao vale xingar... :P"


All Souls - Perda, Fé, Dúvida e Culpa
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"A Fé é a Certeza diante da Dúvida" - Anônimo.

Das perguntas que afligem a humanidade desde o inicio dos tempos, enquanto o "De onde viemos?" está próximo de ser respondido, pelo menos à luz da cosmologia; o "Para onde vamos?" se encontra longe de uma resposta. Existe vida após a morte? Se sim, o além-vida é melhor que este mundo? Há alguma forma de comunicação entre mortos e vivos? Todas estas perguntas permeiam o episódio All Souls.

Nele, vemos a agente Scully sentindo-se culpada pela morte de Roberta Dyer, a última das quadrigêmeas que seriam nephilins, filhas de um anjo com uma mortal, seres híbridos, que por serem parte anjos têm suas almas disputadas, literalmente, entre Deus e o Diabo. Scully entra nesta luta enviada pelo padre McCue e, como em toda guerra, mesmo os vencedores saem feridos de alguma forma.

Nos aspectos técnicos, a música de Mark Snow está particularmente brilhante, com ecos de órgãos e músicas sacras. Vale também ressaltar a engenhosidade da narrativa do episódio, contado em flashback pela Scully que, na verdade descreve a história a um padre enquanto se confessa.

Estes diálogos no confessionário mostram que Scully se sente culpada pela morte de Roberta, por não ter certeza do que aconteceu. Ao longo do episódio, ela teve visões de Emily, e não sabe dizer até onde isso foi causado pelo stress e pela sua identificação com o caso, ou se as visões representavam realmente uma mensagem divina, um aviso para que ela ajudasse a mandar as almas desses nephilins ao Paraíso.

A cena da visita aos Kernoff, pais da primeira vítima, é uma catarse completa. Dara teve uma morte "estranha e súbita", assim como ocorrera com Emily há apenas alguns meses atrás (na ordem cronológica da série, seriam entre 3 e 4 meses). Quando a Sra. Kernoff diz que seu marido está "furioso com Deus", não conseguindo entender como Ele, em Sua Misericórdia, pode ter tirado a vida de uma criança inocente, a identificação ocorreu no ato. "I felt drawn to these people, in a personal way".

É interessante notar como Scully demora para pedir ajuda a Mulder, e somente o faz para obter informações sobre os registros da adoção de Dara Kernoff, deixando claro que não se trata de "official FBI business". Mais do que informações técnicas, ela pede apoio, de forma até inconsciente. Quem acompanha a série sabe que o misterioso informante "Danny" poderia ter conseguido os dados desejados com facilidade (como já fez em Christmas Carol, por exemplo). Mas basta ver Scully olhando as fotos de Dara, e logo em seguida a de Emily, entre lágrimas, para notar que ela deseja que seu parceiro perceba o quanto este caso a está abalando. Mas o agente dá um banho de insensibilidade, aparecendo patético à porta de um cinema x-rated.

Aliás, Mulder estava no mínimo irritante nesse episódio, fazendo piada nas horas erradas, demonstrando um ceticismo inacreditável e tecendo teorias óbvias demais. Tanto que seu primeiro e único suspeito é o Padre Gregory, fundador de uma igreja dissidente, cujo símbolo, a cruz invertida, é tido como alusão ao anticristo. Parece óbvio demais, e assim o é. Pois, em mais uma das surpresas que só acontecem nos X-Files, padre Gregory é na verdade o herói da história. Ele tentava adotar as meninas com o objetivo de salvá-las e termina morto pelo próprio emissário do Mal, o assistente social Aaron Starkey. Daí fica a pergunta: se mesmo evocando suas preces, o padre foi morto, como ele esperava conseguir proteger as garotas?

Porém, a cena mais marcante ainda estava por vir. Seguindo o conselho de Mulder, Scully faz a autópsia na segunda vítima, de nome Paula Koklos, Gravador ligado, procedimentos de praxe tomados, Scully vira-se para examinar os raios-x que revelavam tumores na região dos ombros e quando se volta para o corpo, vê o rosto de Emily no lugar do de Paula. Aterrorizada e à beira de um colapso, ela fecha os olhos e vira o rosto, tentando se acalmar, como se dissesse para si mesma "calma, é só o stress do caso. Quando olhar novamente, a visão sumirá". Mas para desespero da agente (e do público), ao voltar-se para Paula, ela não somente vê Emily, como a ouve dizendo "Mommy please..." Não há autocontrole que resista e Scully vai as lágrimas. Em cinco anos de série, esta deve ter sido a única autópsia que ela não conseguiu terminar. Destaque para a interpretação de Gillian Anderson, que leva à platéia a dimensão exata da dor da personagem.

A princípio racionalizando novamente, nossa heroína diz que "Estava tudo na minha cabeça", mas logo compreende que "I was meant to see Emily for a purpose... To save those girls". É a catarse novamente: salvando essas garotas, ela também estaria salvando Emily e expiando sua culpa. Expiação mediante sofrimento é tema recorrente na religião católica.

Com a morte da terceira garota, Mulder encontra motivos para prender o Padre Gregory, que alerta Scully, dizendo ser ela a única que pode salvar a última das irmãs de ter sua alma reivindicada pelo demônio. A agente entende a mensagem, e tenta passar isso a Mulder, que não compreende porque sua parceira está tão fragilizada pelo caso. Até que, num momento raro, Scully revela seus sentimentos e diz: "Eu vi Emily. Ela veio para mim numa visão". Mulder, consternado, recomenda o afastamento do caso. Ela, percebendo que seu parceiro não entende a situação, e imbuída da certeza de que está destinada a salvar as garotas, o manda sair em busca de Roberta.

Enquanto Mulder faz uma busca infrutífera pela última garota, Scully é brindada com uma visão aterradora: um ser de quatro faces: homem, leão, águia e touro, que o Padre McCue explica ser o Serafim, anjo designado para buscar as almas dos nephilins, "antes que o Diabo as reivindique". E qual não foi a surpresa de Scully ao ouvir o padre dizer que a visão do anjo era apenas fruto de sua imaginação . Mas nem isso desanima a agente. A explicação de McCue dá o embasamento necessário para que ela entendesse o que viu e se sentisse ainda mais responsável pelas garotas.

Starkey aborda Scully, dizendo ter achado Roberta Dyer e faz de tudo para que a agente lhe traga a garota. Quando Scully olha para o assistente social e vê um par de chifres em sua sombra, ela percebe quem é o vilão da história e porque ele não conseguiu entrar na Igreja do Padre Gregory.

Scully acha Roberta e, numa cena apoteótica e confusa, ouve-se Starkey exigindo "Bring me the girl!" enquanto a menina caminha em direção a uma luz forte; e quando a agente tenta impedi-la, vê Emily dizendo "Mommy please let me go". Atordoada, Scully a deixa ir e quando tudo termina, observa Roberta morta, do mesmo modo que as outras.

Em suma, o episódio mostra como Scully lida com suas emoções. Assim que algum fato grave acontece, ela mergulha de cabeça no trabalho, adiando o inevitável encontro com seus sentimentos. Isso vale para a morte de seu pai, de sua irmã (Que reverberam em Beyond the Sea e Christmas Carol, respectivamente) e agora de sua filha Emily.

O plot é muito bem contado, a história dos nephilim realmente existe, sendo citada na Bíblia, por exemplo em Ezequiel 10:14, e também no livro apócrifo de Enoque. Obviamente foram tomadas algumas liberdades: em momento algum é dito que esses seres parte anjo, parte humanos seriam de alguma forma deformados e atormentados por sua condição.

Aliás, a definição de nephilim permite fazer divagações interessantes: são seres híbridos "humano-anjos". Relembrando a mitologia, tem-se que Emily é um híbrido humano-alienígena, gerada através dos óvulos de Scully. Sabendo que aliens, assim como anjos são designados "seres oriundos dos céus" podem-se concluir duas coisas: ou o mito dos nephilins é falso, ou todas as garotas, inclusive Emily, seriam mesmo os "fallen ones".

Outro fato curioso: revendo Christmas Carol, descobre-se que a data de nascimento de Emily é 2 de novembro de 94. Nessa data, é celebrado o dia santo de Finados, que em inglês chama-se All Souls Holiday. Coincidência?

Este episódio também prima pela sutileza, presente em detalhes como a foto de Dara diante de um bolo de aniversário, idêntica a de Emily que é vista desde Christmas Carol; e a luz brilhante pairando sobre a cabeça da terceira garota, tal qual uma aura, na foto tirada no local de sua morte, agiram como sinais, fazendo com que Scully se identificasse ainda mais com o caso.

Além da história bem produzida, o que mais chama a atenção no episódio é o drama da Scully. Ela não esta envolvida no caso apenas por sua fé ou por retribuição ao padre McCue. Sua motivação maior é lutar contra o sentimento de culpa pela perda de sua filha. Aliás, pode-se dizer que o roteiro centra-se em Fé, Perda, Dúvida e Culpa.

A Fé da personagem vem sendo explorada de forma gradativa ao longo desses 5 anos de série. Da sutileza de Miracle Man, até a primeira grande demonstração em Revelations, passando pelos episódios cheios de metáforas religiosas: Gethsemane (com o clássico diálogo com o padre McCue), e os Reduxes (especialmente o segundo, quando a agente retoma a sua fé em busca de conforto numa hora difícil). Ainda nesse estilo, temos Chirstmas Carol/Emily. Especialmente o segundo, que inicia e termina com a idéia de "do pó viemos, ao pó voltaremos"

No episódio em questão, a fé da agente é posta a prova, no momento em que ela vê seu questionamento na voz da Sra Kernoff : "Pq Deus, em toda a sua misericórdia, tirou a vida de uma criança inocente?". Quando a agente se defronta com a visão do Serafim, ela tem certeza de ter a missão divina de salvar as meninas, mas como diz o excelente dialogo do confessionário ao fim do episódio, não consegue conciliar o fato de ter enviado as almas das meninas para o céu com a evidência física de suas mortes.

A Perda está presente o tempo todo: na morte das meninas, na angústia dos Kernoff, do Padre Gregory e particularmente da própria Scully, com sua identificação. Até mesmo no diálogo entre Gregory e Starkey, onde este reclama de ter perdido as almas das três vítimas anteriores.

A Dúvida surge ao final do episódio, quando Scully, levada pela visão que teve de Emily, solta a mão da menina e, ao olhar novamente, depara-se apenas com Roberta Dyer morta, da mesma forma que as outras garotas. Neste momento, surge a questão: "levei a alma de Roberta para o Céu (e por tabela, a de Emily) ou apenas a deixei morrer? Não poderia ter feito algo para salvá-las? Essa sensação passa para a platéia, que se identifica e sente as mesmas dúvidas da agente.

Neste momento entra a Culpa: "Será que falhei ao não salvar a vida de Roberta Dyer, assim como o fiz não conseguindo evitar a morte de Emily?" Num dos diálogos travados no confessionário ela diz "Uma garota inocente está morta por minha causa". Ela não consegue conciliar a idéia de que as almas das quadrigêmeas foram para o Céu com o fato de elas estarem mortas. É a visão ocidental da morte como causadora de sofrimento, tanto para quem parte como para quem fica.

Em resumo: a Fé diz que Scully deve se conformar com a Perda de Emily e das quadrigêmeas, visto que elas foram para um lugar melhor, para o Reino dos Céus. Mas, como disse o padre no confessionário, ela não consegue conciliar esse fato com a evidência física das mortes, "Se Deus é tão bom, por que tirar a vida de crianças inocentes?" É a Dúvida, que também se manifesta no final: "Mandei mesmo as almas das meninas, e por tabela de Emily, para o Céu ou as entreguei direto ao mal, quando as deixei morrer?" Soma-se a isso a sensação de impotência, que acomete a agente desde CCarol/Emily quando, apesar de todos os seus esforços, uma doença estranha matou sua filha. Do mesmo modo, ela pensa que não conseguirá salvar as almas das gêmeas e sente Culpa por isso.

Outro ponto: na cena final, quando Scully vê sua filha dizendo "Por favor, me deixe ir", invoca-se a lenda popular que vaticina: enquanto alguém estiver pensando em uma pessoa falecida, sua alma seria incapaz de descansar em paz....

O episódio é denso, tenso e triste, conseguindo ser um stand-alone com toques de mitologia, particularmente fascinante pelo modo como lida com varias questões que passam longe dos programas de TV convencionais.

 

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Kisses!	               XScully (DJPaty)
      mailto:djpaty@radnet.com.br
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